Por Andrew Fischer
Afrofuturismo: por um futuro negro
O movimento negro encontra no afrofuturismo uma chance de idealizar um futuro no qual se acredita ser possível. O afrofuturismo é um movimento cultural, estético, político e econômico que incorpora a ficção científica e a tecnologia para reimaginar o futuro negro e africano a partir da ancestralidade através da perspectiva das próprias pessoas negras.
Conforme a explicação de Kelly Quirino, doutora e professora de comunicação e pesquisadora de relações raciais da Universidade de Brasília (UNB): “Essa perspectiva do afrofuturismo se apropria desses conhecimentos ancestrais (da África) para ressignificar na atualidade e fazer uma projeção de uma narrativa futura, onde há o
protagonismo dessa população negra. O racismo tira esse protagonismo, coloca os povos negros à margem.”, explica a pesquisadora.
Portanto, é a celebração do passado e da identidade para mudar o presente, repensando o lugar ocupado pela tecnologia e como reduzir drasticamente a opressão racial gerada pelo racismo e estruturas de poder que estão fortemente conectadas à sociedade.
Origens e objetivos do afrofuturismo
Apesar de o afrofuturismo ser essencialmente focado no povo negro do mundo todo, o conceito em si foi criado por Mark Dery, produtor cultural branco, na década de 1990 nos
Estados Unidos. No texto “Black to the future”, o autor questiona a falta de escritores negros e negras no campo da ficção científica. Em um dos trechos deste texto, Dery pergunta: “Uma comunidade que teve seu passado apagado, e que as energias foram subsequentemente consumidas pela busca da sua história, pode imaginar possíveis futuros?”.
É importante dizer que, ainda que Dery tenha sido o criador do termo, não foi ele quem desenvolveu o movimento porque elementos afrofuturistas já existiam 70 anos antes da invenção do conceito. Em “The Comet”, conto publicado em 1920, o sociólogo e autor W.E.B Du Bois conta a história de uma mulher branca e um homem negro que são os
únicos sobreviventes após o impacto de um asteroide em Nova York. O conto aborda relações raciais e novos tipos de interações que podem ocorrer em um cenário apocalíptico.
Considerada como “a mãe do afrofuturismo”, Octavia Butler, filha de uma empregada doméstica, começou a escrever aos 12 de idade depois de assistir ao filme de ficção científica Garota Diabólica de Marte (1954) e perceber que seria capaz de escrever um enredo melhor do que aquele. Porém, nem sempre recebeu apoio da família, pois uma de suas tias dizia que “mulheres não podiam ser escritoras”.
Provavelmente, você já assistiu ou conhece algum filme ou série de viagem no tempo. Mas,como seria se uma pessoa negra voltasse ao passado? Partindo desse questionamento se desenrola “Kindred: Laços de Sangue” (1979), uma das obras de Butler, em que Dana, uma jovem escritora negra que vive na Califórnia na década
de 1970, viaja no tempo para uma fazenda escravista no sul dos Estados Unidos e conhece seus antepassados.
Na narrativa afrofuturista, a protagonista precisa sobreviver em uma sociedade racista do passado e garantir o encontro dos bisavós, Alice (mulher escravizada) e Rufus (homem
branco dono das terras) para que ela mesma possa existir no futuro. Como dito na explicação do conceito de afrofuturismo, esse movimento extrapola o contexto
da literatura, sendo uma maneira de construir um amanhã mais igualitário e com equidade racial. Nesse sentido, segundo a pesquisadora Lisa Yaszek, entre os objetivos das obras
afrofuturistas estão:
- Recuperar a história preta apagada pelo colonialismo;
- Questionar como essa história influencia na formação cultura;l
- Pensar na influência dessas histórias para a construção de um futuro.
A partir desses propósitos, é possível confrontar os modelos sociais da atualidade, colocando as pessoas negras no centro dessa discussão, não como vítimas do futuro, mas como autoras. É um ato revolucionário sonhar (e agir) com um futuro em que negras e negros estejam vivos, felizes, tenham possibilidades e oportunidades de liderarem as próprias narrativas, considerando o retrato social do presente (como dados de violência, pobreza e remuneração de pessoas negras) e do passado.